"Fugindo do Estado Islâmico": reações ao Trauma entre sobreviventes
- tepteviolenciaurba
- 1 de dez. de 2015
- 3 min de leitura
Uma das consequências mais cruéis de combates armados costuma ser a violência sexual contra as mulheres que pertencem aos grupos étnicos ou nações envolvidas no conflito. É muito comum ouvir estes relatos em lugares assolados por guerras civis, como alguns países na África e no Oriente Médio, embora essa violência seja muito mais antiga, tendo sido relatada por civis alemãs violentadas por soldados soviéticos na Segunda Guerra Mundial. A ONU chega a considerar a violência sexual nestas situações como uma arma de guerra, cujo objetivo é tomar o controle de determinados territórios em disputa. A ONU ainda salienta a gravidade deste crime, o qual ocorre em grande escala nas mais diversas nações, embora pouco seja feito para punir estes crimes e ajudar as vítimas.
Atualmente, a Síria é um dos países onde há conflito armado entre rebeldes, jihadistas e as forças do governo Assad. O Estado Islâmico, ou ISIS, controla vastos territórios entre o Iraque e a Síria desde o começo da guerra civil neste país. Estima-se que 4 milhões de mulheres vivem hoje sob domínio do ISIS, entre árabes e minorias étnicas. Mesmo as mulheres árabes e muçulmanas não estão livres da violência, pois o ISIS determina que elas sigam diversas regras comportamentais, como o uso de roupas específicas, através da violência: a pena por não seguir as regras do grupo terrorista podem ser chibatadas ou até apedrejamento. Além da população árabe, a região é habitada por minorias étnicas, como os curdos e os yazidis, que são tratados com extrema crueldade pelo grupo terrorista.
No mês de Novembro de 2015, a brutalidade do ISIS atraiu a atenção do mundo inteiro devido aos atentados em Paris, que resultaram em 130 mortes e centenas de feridos. O documentário “Fugindo do Estado Islâmico”, exibido pela GloboNews logo após os ataques na cidade europeia, mostrou os horrores aos quais as populações síria e iraquiana são submetidas constantemente, principalmente as mulheres. Ele começa com a informação de que, após invadir uma cidade iraquiana, os terroristas sequestraram 3 mil mulheres de uma vez.

O documentário mostra que há poucos esforços governamentais para resgatá-las, o que levou alguns homens a se organizarem e resgatarem estas mulheres sozinhos. Algumas dezenas já conseguiram fugir do ISIS e elas relatam alguns dos horrores que viveram para as câmeras. Algumas são compradas e vendidas em mercados como escravas, outras são encarceradas, porém, todas foram estupradas ou presenciaram outras mulheres sofrendo esta forma de violência.
É interessante notar as reações ao trauma dessas sobreviventes. Aima, uma mulher yazidi de 21 anos, tenta contar sobre o período em que esteve encarcerada e testemunhou o estupro de uma menina de 9 anos, mas ela não consegue falar até o final. Ela é interrompida por uma forte tosse, que lhe dá falta de ar. Logo, outras mulheres estão junto dela e tentam acalmá-la. É possível observar uma reação de hiperventilação muito comum durante fortes crises de ansiedade. Aima também conta sobre diversos pesadelos durante a noite que lhe causam dificuldade para dormir (sintomas de revivescência e hiperatividade autonômica); e seus esforços para tentar evitar as lembranças do período em que esteve encarcerada (lembranças intrusivas e evitações). Outra sobrevivente, de 18 anos, conta como foi vendida em um mercado e estuprada diversas vezes. Ela conta que não consegue dormir, que sente o cheiro dos agressores e que sente como se eles estivessem perto dela o tempo todo. Ambos são sintomas comuns nos quadros de estresse pós-traumático, chamados de flashbacks.
Segundo um advogado yazidi que ajuda a resgatar essas mulheres, 80% das sobreviventes resgatadas foram estupradas. Por isso, é importante considerar a violência a que a população civil da Síria e do Iraque está submetida, uma vez que há milhares de pessoas tentando fugir desses países. É essencial que os profissionais e voluntários encarregados de acolher refugiados desses países fiquem atentos ao histórico de violência que foram vivenciados e aos diagnósticos relacionados ao estresse, como o Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT), para que a população refugiada possa ser diagnosticada e ter acesso aos cuidados de saúde adequados.
Comentarios