Quando você vive um trauma
- tepteviolenciaurba
- 26 de ago. de 2015
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“Quando você revive o trauma, com conhecimento da gravidade, fica tudo à flor da pele. Lembro de me achar culpada” – Joanna Maranhão, nadadora brasileira, participante dos jogos Pan-Americanos de Winnipeg, no Canadá, e olímpicos de Athenas, 2004.

Em novembro de 2014, o site “Terra” divulgou dados da Organização das Nações Unidas sobre violência contra a mulher. De acordo com a ONU, 7 em cada 10 mulheres já foram ou serão violentadas em algum momento da vida. Se esses números já são assustadores, imagine agora que esse é apenas um tipo de violência contra o sexo feminino. Eles são diversos, variando desde agressão verbal até o feminícidio (ou femicídio) – termo utilizado para denominar violência contra a mulher, acarretando a morte ou podendo levar à morte. O problema ainda prossegue. Esse tipo de violência, principalmente o estupro, pode provocar uma série de sintomas que podem se enquadrar no quadro de Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT), que, embora perturbadores, são calados, assim como as denúncias. O TEPT é caracterizado por intenso sofrimento gerado por um trauma, por meio de lembranças angustiantes recorrentes, mesmo contra a vontade, alterações no humor e um gasto grande de energia na tentativa de evitar qualquer coisa que lembre o evento traumático, trazendo prejuízos significativos à vida da vítima.
Esse texto traz um relato feito na revista TPM, da UOL, por Joanna Maranhão, com o intuito de mostrar como o trauma pode ser revivido por meio de memórias e sintomas, e como a culpa pode calar a vítima, tornando muitos casos inacessíveis ao tratamento. Obviamente, não é possível afirmar que Joanna Maranhão teve TEPT somente através da análise da entrevista. Contudo, é possível perceber alguns elementos semelhantes entre o que foi apresentado por ela e alguns sintomas do transtorno, e, assim, conscientizar as pessoas sobre os sintomas e a busca pelo tratamento adequado.
Embora tenha conquistado uma vida de sucesso no esporte, tornando-se referência para outros jovens, Joanna Maranhão possui uma história de sofrimento causado por um abuso sexual ocorrido aos 9 anos de idade. Desde então, uma série de fatores passou a limitar a vida dela. A primeira pessoa com quem ela conseguiu desabafar sobre o trauma foi a tia-avó. À noite, ela precisava acalmar a Joanna e ajudá-la dormir. Entretanto, tão logo saía do quarto, o tormento voltava, o sono desaparecia e o quarto dos pais era o único refúgio para superar mais uma noite.
O aspecto da culpa permeava a vida dela. “O que eu fiz pra ele achar que tinha direito de fazer isso comigo? Será que dei algum sinal errado?”, pensou. Dormir era um sacrifício e foi necessário fazê-lo na cama dos pais, no meio dos dois, durante cinco anos, até os pais se divorciarem. “Será que eles se separaram por conta disso?”, pensou, e mais um sentimento de culpa se instalou. Pensar que tiveram a culpa no abuso ou cometeram algum erro para que ele tivesse acontecido é um tipo de pensamento comum entre as vítimas, muito embora tentem racionalizar e saibam que nesses casos a culpa nunca é de quem sofreu o crime. As coisas não parecem funcionar no nível sentimental da mesma forma que no racional. Então, o sofrimento continua sempre ali, como uma marca.
Na adolescência, passou a se masculinizar, na tentativa de não ser atraente e, segundo o seu relato, sentia-se aliviada quando alguém indagava: “Aquilo é um menino ou uma menina?”. A vida sexual parecia diferente das outras pessoas da sua idade, mas ainda assim conseguiu desenvolver o primeiro relacionamento amoroso com um menino da escola, com quem teve a primeira relação sexual e conseguiu falar um pouco sobre o assunto, mesmo sem tanta profundidade.
Os anos se passaram e as memórias permaneciam perturbadoras. Foi quando o abuso de bebidas alcóolicas se tornou uma das medidas adotadas por ela para amenizar todo sofrimento gerado. A natação, atividade tão prazerosa antes, agora não lhe proporcionava alegria, nem despertava o seu interesse. O rendimento caiu, não conseguia treinar como antes e a imprensa começou a comentar sobre. Relatou ainda ficar entre 24 e 48 horas no quarto, na cama, no escuro, após os treinos. “Ninguém toca em mim. Ninguém traz comida. Não quero comer, não quero nada. Quero ficar aqui”, dizia para si mesma.
Quando decidiu contar o seu drama para a imprensa, o ex-técnico (que não foi identificado), autor do abuso, resolveu processá-la. O julgamento se configurava em um pesadelo. Encará-lo a fazia sentir como se tivesse novamente a idade do crime: tudo parecia desmoronar. Ainda que pensasse na impossibilidade de ele lhe causar algum mal, nada disso a impediu de chorar naquele momento. Simplesmente, não conseguia olhar nos olhos dele. Por fim, sua mãe decidiu que seria melhor Joanna assinar uma procuração e não comparecer a nenhuma audiência com ele.
O importante é saber que nenhuma pessoa é merecedora de tal sofrimento e a vítima não pode ser culpabilizada diante de tal agressão. O que deve ser feito é um monitoramento em cima da existência de tais sintomas. Nesse relato, ficou claro que alguns deles estavam presentes, sendo: lembranças angustiantes que vem à cabeça mesmo contra a vontade; alterações no humor e na maneira de pensar; e dificuldades para dormir. Existem outros sintomas possíveis, como dificuldade de concentração, irritação ou inquietação; e evitação de pensamentos, lugares, pessoas ou atividades que lembrem a situação. Outros destaques na entrevista foram o abuso de bebidas alcóolicas, tão comum em vítimas de trauma, que pode se manifestar também por meio de outras drogas, e a perda de interesse nas atividades que antes davam prazer, como foi no caso da natação. Aliás, o TEPT está frequentemente associado a comorbidades, ou seja, outros estados patológicos como a depressão, transtornos de ansiedade, tentativas de suicídio, transtornos dissociativos, uso de substâncias e transtornos somatoformes.
A importância desse relato se dá pela possibilidade de outras pessoas conseguirem se identificar com a história da Joanna e terem consciência do que pode estar acontecendo com elas. Afinal, é comum vítimas de traumas não procurarem ajuda, seja por falta de conhecimento sobre o assunto ou pela vergonha de expor a sua história. No entanto, há tratamento para isso. A Terapia Cognitivo-Comportamental tem evidências na literatura de grande eficácia para o TEPT, facilitando a replicabilidade e preservando a postura científica e ética para com os pacientes que sofrem desse transtorno tão debilitante. Procurar ajuda psicoterápica proporcionou à Joanna o conhecimento sobre si e a situação, libertando-a dos prejuízos significativos que o abuso sexual gerava em seu dia a dia.

Assim como Joanna Maranhão pôde superar esse sofrimento com a ajuda da psicoterapia, outras vítimas podem também ter uma vida melhor se procurarem tratamento adequado. Além de ser um orgulho como atleta, agora ela também é uma inspiração de superação, ajudando outras pessoas a acharem o melhor caminho para lidar com esses sintomas.
Vale a pena a leitura completa do relato aqui.
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