"Uma longa viagem"
- tepteviolenciaurba
- 23 de set. de 2015
- 4 min de leitura

O filme “Uma longa viagem” conta a história de Eric Lomax, um ex-combatente da Segunda Guerra Mundial que passa por diversas dificuldades emocionais décadas após o fim do conflito. Inspirado na história real de Lomax, o filme começa com uma viagem de trem pela Inglaterra, durante a qual ele conhece a mulher que virá a ser sua segunda esposa, Patti. Os dois começam um relacionamento romântico e logo se casam. No entanto, na lua de mel do casal, é possível ter a dimensão do quanto a experiência da guerra ainda atormenta o ex-soldado. Lomax vê um oficial do exército inimigo, que o conduz à força para um quarto escuro em outro lugar. No hotel, Patti encontra o marido no chão, chorando, implorando piedade.
O que acontece nesta cena é um exemplo de um dos principais sintomas do TEPT chamado revivescência. Mesmo estando em um hotel a milhares de quilômetros de distância do front da guerra e décadas após o fim do combate, Eric volta a viver a situação traumática. É como se, para ele, a guerra ainda não tivesse acabado.
Eric mostra outros sintomas do transtorno, como evitação. Mesmo passando por um intenso
sofrimento, ele se recusa a explicar o que sente para a esposa. Ele é incapaz até mesmo de contar a ela
sobre o que aconteceu durante a guerra. Também vemos outro sinal de que as lembranças intrusivas
atormentam Eric o tempo inteiro: sua esposa Patti encontra um caderno repleto de desenhos
perturbadores de pessoas mutiladas e da prisão onde ele passou os anos finais da Segunda Guerra.
Em busca de esclarecimentos, Patti procura outro veterano de guerra, Finlay, que esteve com Eric no
período mais difícil do combate. É assim que ela descobre que evitar falar dos traumas causados pelo
conflito é um comportamento comum entre os veteranos. Mesmo assim, ela insiste em tentar ajudar
seu marido, e então temos um relato das experiências mais traumáticas para Eric.
Descobrimos que Finlay e Eric eram engenheiros do exército britânico no front do Pacífico, perto da
Tailândia. Em determinado momento do combate, em 1945, sua unidade se rende aos japoneses e os
britânicos são tomados como prisioneiros de guerra. Eles são levados de trem para um lugar muito
distante, onde são obrigados a trabalhar na construção de uma ferrovia. As condições de trabalho são
terríveis, muitos prisioneiros morreram de exaustão e desnutrição. No entanto, os ingleses se recusam a
serem tratados como escravos. Decididos a não abandonarem seus compatriotas na guerra, os jovens
engenheiros constroem um rádio com materiais contrabandeados para dentro do campo de
concentração. Assim, os soldados são capazes de ouvir as notícias da guerra e espalhar para os outros
prisioneiros, como uma forma de dar a eles esperança de que logo sairiam daquele lugar.
É quando os oficiais japoneses descobrem a existência do rádio improvisado que o suplício de Eric
começa. Neste momento também descobrimos que, no presente, Eric evita ouvir rádio. Como punição
pelo que fizeram, um dos engenheiros é espancado pelos japoneses, que querem descobrir qual deles
foi responsável pela construção do aparelho. Descobrimos que Eric assumiu a responsabilidade sozinho
e foi severamente espancado. Vários de seus ossos foram quebrados e ele sequer conseguia se levantar
depois disso. No entanto, o sofrimento não parou aí. Eric foi levado para outro campo de concentração,
onde foi torturado por semanas. Os japoneses insistiam que Eric estava passando informações para o
inimigo, apesar de o soldado insistir que o rádio era apenas um receptor, e exigiam que ele contasse
quais informações estava transmitindo e recebendo.
Após conhecer a história de Eric, entendemos melhor o que ele sente. Entendemos melhor seus
sintomas de revivescência, nos quais ele se vê novamente no campo de concentração onde era
torturado. Também é possível entender porque ele acorda sobressaltado à noite e porque evita ouvir
rádio em casa. Outro sintoma relacionado ao estresse pós-traumático se chama entorpecimento
emocional, ou numbing. É possível observar o entorpecimento emocional pelo qual Eric está passando
quando ele fica sabendo da morte de um amigo próximo, mas não esboça reação emocional alguma.
Enquanto sua esposa Patti fica muito abalada com a notícia, Eric diz que não se importa.
Infelizmente, relatos de tortura em períodos de guerra (ou até mesmo fora de combates) não são
incomuns. O que torna a história de Eric mais notória é que este foi provavelmente um dos primeiros
casos de TEPT registrado entre veteranos de guerra. O filme se passa na década de 80, cerca de 40 anos
após o fim do maior conflito armado da história da humanidade. No entanto, pouco se sabia sobre as
possíveis sequelas emocionais que uma experiência traumática poderia deixar. Foi nos anos 80 que Eric
buscou tratamento para seus sintomas em um dos primeiros centros de referência para vítimas de
tortura no Reino Unido.
No entanto, o caso de Eric tornou-se notório não apenas pelo pioneirismo do tratamento e das
discussões sobre tortura, mas também porque, após o tratamento, Eric foi capaz de encontrar-se com o
oficial que participou das sessões de tortura e perdoá-lo. Eric Lomax e Takashi Nagase, membro da
polícia secreta japonesa durante a guerra, se tornaram amigos durante longos anos.
A história de Eric retratada no filme “Uma Longa Viagem” mostra que a crueldade da tortura pode
acompanhar uma pessoa por muitos anos. No entanto, também mostra que é possível encontrar paz de
espírito mesmo após uma experiência tão traumática.

(A foto acima mostra Eric Lomax e Takashi Nagase, décadas após o fim da Guerra, na ferrovia construída pelos prisioneiros britânicos. Eric segura o livro que serviu de inspiração para o filme)
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