“Tive uma emergência médica no exterior e desenvolvi TEPT” – Uma tradução livre.
- Maísa Furtado
- 27 de jul. de 2015
- 6 min de leitura

No início de 2009, durante um semestre fazendo intercâmbio no sul da Índia, acordei sentindo a maior dor da minha vida. Havia uma sensação de pontada nas minhas costas e eu vomitava incontrolavelmente. Me contorcendo no chão, liguei para o número da emergência e me arrastei até o banheiro, sentindo que eu ia vomitar e urinar nas calças ao mesmo tempo. Me abaixei no vaso sanitário – com as mãos nas costas em agonia – e nada. Sem urina. De repente, então, eu percebi que não havia urinado nos últimos três dias. Cheguei a estranhar na época, mas eu estava viajando com um grupo de amigos e todo mundo estava com o metabolismo irregular. Urinar poderia ser irregular também, certo? (Adiantando: não, não poderia).

Minha colega de quarto me carregou pelas escadas da nossa casa e procurou um “tuk tuk” – um tipo de transporte com três rodas da Índia – para nos levar ao hospital. Cambaleei para dentro do prédio e fiquei por mais ou menos uma hora vagando entre a sala de espera e um banheiro pequeno na parte de trás do hospital, tentando sem sucesso urinar alguma coisa; e tentando não vomitar em mim mesma, também sem sucesso.
Onde eu estava na Índia, tudo era extremamente ineficiente e demorava muito. Ninguém esperava em filas quando ia ao mercado. Não havia nenhum sistema de organização. Você apenas lutava para chegar próximo do caixa e pegava o que você queria antes que outro pegasse. Isso foi particularmente difícil no meio de uma emergência médica.
Antes de ser examinada por qualquer profissional, tive que empurrar (e ser empurrada por) uma multidão de pessoas, apenas para preencher um monte de papéis com perguntas como “qual o nome de solteira da sua mãe?” e “qual o emprego do seu pai?”. Eventualmente, uma enfermeira me levou de volta para a triagem e me deitou em uma maca. Eu ainda estava agonizando de dor e vomitando, mas ninguém parecia se incomodar com isso.
“Eu poderia apenas tomar algum remédio?”, eu continuava implorando, provavelmente soando como uma viciada, mas com dor demais para me importar. As enfermeiras sorriram, me ignoraram e continuaram a fazer perguntas bizarras e completamente fora de contexto. “Você é uma estudante? O que está estudando? Onde você mora?” Finalmente, eles decidiram me inserir um cateter. Eu provavelmente estava com uma pedra no rim, eles me disseram, e teria que tentar expeli-la sozinha. Me deram uma garrafa de água e disseram para beber. “Ótimo”, eu disse, “só que eu continuo botando qualquer coisa pra fora. Alias, vocês poderiam me dar algum analgésico?”. Não? Que incrível!
As enfermeiras inseriram o cateter e nada saiu. Elas tentaram de novo. Nada ainda. A pedra estava obstruindo a passagem. Eu teria que retirá-la com um instrumento.
O prédio do hospital e tudo dentro dele pareciam relíquias dos anos 30. O acesso intravenoso, por onde o soro e os medicamentos são injetados, era de vidro em vez de plástico. Existiam poças d’água no chão. Não havia sabonete nos banheiros – e eu tentei urinar em muitos banheiros diferentes. Nenhuma das enfermeiras usava luvas, e antes de qualquer exame que eu deveria fazer eu tinha que pagar adiantado, em dinheiro. Eu pedi para uma das médicas um analgésico para aliviar minha dor e ela fechou os olhos, botou as mãos na minha testa, e rezou por mim. Outra disse que eu só precisava de chá. Todas essas coisas combinadas fizeram eu me sentir insegura em todos os níveis. Nada daquilo parecia real. Eu só estava passando por um pesadelo terrível – com uma dor gigantesca, confusa e sozinha.
Acredito que outras coisas contribuíram para o trauma. Ninguém do programa de intercâmbio se importou em ligar para mim ou checar como eu estava no hospital. Nem as pessoas do programa cujo trabalho era especificamente ajudar os alunos a se ajustarem ao choque cultural.
Quando eu finalmente urinei – 18 horas de hospital e uma pequena cirurgia depois – o vaso sanitário ficou cheio de sangue. A pedra, juntamente ao procedimento cirúrgico, tinha rasgado minha uretra. Eles me prescreveram alguns remédios que tinham nomes que não eram familiares e outros que eu não sabia nada sobre e que não consegui encontrar no Google. Como os remédios eram fabricados fora dos Estados Unidos e obviamente não era aprovados pela FDA (Food and Drug Administration), o médico não sabia me dizer nada sobre eles. Eles interferem nos remédios que tomam normalmente? Nas pílulas para malária que eu estou tomando? Ninguém no hospital sabia dizer. Eu tinha pouquíssima informação. E o pior de tudo: por causa do sinal ruim, nem meu noivo nem meus pais sabiam que eu tinha sido operada. Eu estava completamente sozinha.
Comecei a ter ataques de pânico meses depois, quando eu estava de volta aos Estados Unidos, trabalhando nas férias como babá. Ficar sentada em um restaurante barulhento ou dirigir um carro com música muito alta ou repetitiva fazia meu coração quase sair pela boca. Isso é estranho, eu pensava. Enquanto eu tentava ignorar, meu estômago se revirava e eu não conseguia respirar profundamente.
Qualquer vez em que eu estivesse viajando ou em uma situação em que eu não poderia sair imediatamente (como um jantar com amigos ou um passeio de carro), me causavam esses estranhos sintomas, como calafrios e dores. Às vezes até febre baixa. E se eu fosse jantar mesmo assim, ou dirigisse contra a minha vontade, eu começava a entrar em um estado de desespero e pânico profundos. Hiperventilação. Choro incontrolável. Diarreia imediata. Tremores. E um pouco mais de choro. O que estava errado comigo?
Lentamente, percebi um padrão de gatilhos. Um barulho alto e repentino? Ataque de pânico. Se eu tivesse que fazer xixi e não conseguisse ir imediatamente ao banheiro? Ataque de pânico. Eu tinha uma constante sensação de que deveria sair do local urgentemente e, se eu não conseguisse, eu precisava correr para o banheiro e chorar e hiperventilar pelos próximos 15 minutos. Depois de um tempo, não havia mais muita coisa que não disparasse um ataque de pânico. E uma vez dentro do ataque de pânico, eu ficava literalmente imóvel. Era difícil sair de casa. Eu assisti muito “House Hunters” – uma série americana.
Com muita vergonha, demorei 6 meses para procurar um psiquiatra. “Com certeza não foi tão ruim assim”, eu continuava pensando comigo mesma. Pessoas têm pedras nos rins todos os dias e superam isso. Eu não fui assaltada, não fui estuprada. Qual o grande problema?
Mas toda vez que eu pensasse em pegar um vôo pra Índia eu começava a suar frio. Eu colocava minhas mãos na cabeça e tentava respirar profundamente para tentar evitar a sensação de estar caindo. Eu corria para o banheiro e tinha diarreia instantaneamente. “Nem pensar”, eu pensava. “Se voltar pra casa me faz uma covarde, então, que seja. Não vou voltar. Estou fora! Estou bem. A vergonha foi a pior parte da minha recuperação, e provavelmente a razão pela qual demorei tanto a começar a terapia. “Você está bem” – eu continuava repetindo pra mim mesma – “supere isso”. Mas eu não conseguia. Meu cérebro queria desesperadamente superar, mas a cada minuto que eu tinha que ir ao banheiro, meu coração começava a palpitar.
Os ataques de pânico, as crises de choro e as diarreias frequentes ainda continuavam, de forma cada vez mais frequente conforme os meses passavam. De acordo com o meu cérebro, que estava focado na vergonha, estava tudo sob controle. Mesmo sujar as calças no “Red Lobster” não conseguia me convencer do contrário. Eu não vou ao médico, eu pensava. Ir ao médico era como admitir que eu tinha um problema. Então eu apenas bebia vinho para fugir da imensa sensação pânico. Muito vinho.
Uma noite, dirigindo pela cidade, meu então noivo parou em um posto de gasolina e assistiu, horrorizado, eu começar a hiperventilar. O motivo? Tive uma vontade inesperada de fazer xixi e tínhamos ficado presos no trânsito por alguns minutos. Ele me levou de volta para casa e eu marquei uma consulta em um centro de saúde para a manhã seguinte. Fui diagnosticada por um terapeuta como tendo TEPT nesse dia. Aparentemente eu era um caso clássico: hipervigilância, evitações, pesadelos, flashbacks. Juntos, o terapeuta e eu passamos os próximos 6 meses trabalhando o que havia acontecido comigo e por que motivo eu não conseguia superar isso.
Não houve um momento de iluminação ou nenhuma revelação que tenha me feito não ter mais TEPT. Eu fui à terapia por meses. Tentei vários remédios antidepressivos diferentes até encontrar um que me fizesse conseguir respirar de novo. Pouco a pouco, eu parei de precisar beber tanto vinho. Eu podia dirigir um carro de novo sem querer me jogar pra fora dele. Eu podia ouvir uma campainha sem correr para a cama e me esconder pelo resto do dia. Aos poucos, comecei a dizer “eu tinha TEPT”, em vez de usar o verbo no presente.
Enquanto eu digito isso eu consigo pensar e falar sobre o que aconteceu na Índia sem sentir horror. Eu não tenho mais TEPT. Mas apesar de ter superado o trauma, o que aconteceu comigo definitivamente desencadeou uma síndrome do pânico e eu ainda preciso de remédios para isso. Eu tomo Zoloft. Vou para a terapia e seguro meu terço quando as coisas ficam muito difíceis.
Ainda é algo que tenho que manejar – os pensamentos obsessivos, as ondas de pânico, as fugas – mas eu consigo manejar. Sou funcional. E o melhor de tudo, consigo urinar sem nenhum problema agora.
Traduzido de: http://www.xojane.com/it-happened-to-me/it-happened-to-me-i-had-a-medical-emergency-abroad-and-developed-ptsd
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