Um Corpo Que Cai
- Vivian Alves
- 25 de mar. de 2015
- 3 min de leitura

Eleito pelo Instituto de Cinema Americano como o melhor filme de mistério do século XX, Um Corpo Que Cai (Vertigo), foi dirigido e produzido pela renomada figura do cinema americano Alfred Hitchcock. Conta a história do detetive John “Scottie” Ferguson, interpretado por James Stewart. Scottie viu o seu colega de trabalho caindo de um prédio alto e morrer durante uma perseguição policial. Desde então a sua vida não foi a mesma. Passou a ter um medo patológico de altura, assim como pesadelos com o acontecimento traumático. Devido a isto, o detetive ficou impossibilitado de exercer o seu trabalho. Então, o seu colega de faculdade Gavin Elster o contrata para investigar a sua esposa, Madaleine, a qual acredita estar sendo possuída pelo espírito de uma antepassada.
Poderia ser apenas mais um filme sobre espíritos, se não fossem três detalhes. Primeiramente, John se apaixona por Madaleine. Segundo, o suposto espírito que a possui tem tendências suicidas e o medo de altura do detetive o torna impossibilitado de ajudá-la, o que o faz travar uma batalha interna contra os seus medos e traumas. Por último, o filme possui uma trama muito mais complexa do que aparenta em seu início, tomando rumos totalmente diferentes e, sem dúvida, inesperados. Trata-se de um filme sobre os nossos próprios medos e a coragem que temos, ou não, de enfrentá-los.

Muitas pessoas interessadas na área psi podem afirmar que John desenvolveu TEPT (Transtorno de estresse pós-traumático), porque o seu medo patológico de altura (acrofobia) relaciona-se diretamente a um evento traumático. Ao contrário do que muitos podem vir a pensar, um evento traumático, justamente por ser bastante estressor, pode desencadear uma série de transtornos mentais, sendo o TEPT um dentre tantos possíveis.
Para ser considerado que uma determinada pessoa desenvolveu TEPT após um evento traumático, é necessário que apresente alguns sintomas específicos, tais como:
1. Revivescência do trauma: ex. lembranças intrusivas, pesadelos traumáticos, flashbacks, sofrimento psíquico evocado por estímulos relacionados ao trauma, atividades relacionadas com estímulo relacionado ao trauma. (ou seja, sentir de alguma forma como se evento traumático estivesse ocorrendo novamente)
2. Esquiva/entorpecimento emocional: ex. esforços para evitar pensamentos e sentimentos relacionados ao trauma, incluindo evitação de pessoas ou lugares associados ao trauma; sensação de distanciamento em relação a outras pessoas, entorpecimento emocional, sentimento abreviado de futuro
3. Hiperestimulação Autonômica:ex. insônia, irritabilidade, dificuldade em se concentrar e hipervigilância (estar sempre em estado de alerta), resposta de sobressalto exagerada.

É complicado saber se John se enquadra em todos os critérios diagnósticos de TEPT, pois torna-se difícil distinguir o porquê de suas ações e reações nesta trama sombria. Não se pode ter certeza, por exemplo, de que os sintomas de hiperestimulação autonômica (os quais foram descritos acima) apresentados pela personagem estão mais relacionados aos estressores presentes na história do que ao trauma em si. Afinal de contas, para citar um exemplo da trama, é comum ficar em estado de alerta quando há um caso de possível sucídio de uma pessoa amada.
Há a possibilidade de que John tenha desenvolvido uma fobia específica (acrofobia) após o evento traumático. Uma fobia é “um medo persistente de um estímulo (objeto, atividade ou situação específicas) considerado não perigoso, resultando numa necessidade incontrolável de evitar esse estímulo. Se isto não é possível, o confronto é precedido por uma ansiedade antecipatória e realizado com sofrimento e comprometimento de desempenho” (Latufo-Neto, 2011). Ou seja, uma pessoa também pode desenvolver uma fobia devido a um acontecimento traumático.
É sempre bom lembrar que por mais detalhista que seja um diretor, não há garantias de uma reprodução fiel de um transtorno ou uma síndrome, pois o maior objetivo de um filme é passar um sentimento ou uma ideologia, despertar paixões, contar uma história. A não ser que seja o objetivo da película retratar determinado transtorno, o que não vem ao caso.
Só que todo bom filme tem algo a dizer sobre a realidade. E Um Corpo Que Cai nos trouxe hoje essa dificuldade real em fazer um diagnóstico diferencial em casos que envolvem um trauma. É verdade que cada indivíduo reage a uma situação traumática de uma maneira diferente. E é justamente isso que faz com que existam vários casos de pessoas que sofreram um trauma sendo tratadas de maneira inadequada, prolongando o seu sofrimento, aumentando os efeitos do trauma sobre a sua qualidade de vida.
O modo em que a vida da personagem principal do filme foi modificada também é um bom retrato da realidade. É importante compreender que para além da “força de vontade” ou do “querer” de alguém, uma pessoa pode simplesmente não conseguir retornar a sua rotina após um evento traumático. Por isso é importante a busca de um bom auxílio profissional nessas situações, para um diagnóstico e tratamento medicamentoso adequados, a fim de ajudar essas pessoas afetadas por um trauma a refazer-se e encontrar novos caminhos possíveis
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